segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

L de laxante


Assim como todos um dia devem também, eu encontrei a minha alma gêmea. Não foi muito difícil, foi simples, complicado, seco e amargo. O correu na quarta série do Ensino Fundamental. E, assim sendo, eu soube na hora, bem no instante que eu disse um verbo conjugado no pretérito mais-que-perfeito, e ele deu-me a sua régua com uma figurinha de signo - com o signo de gêmeos - como recompensa.

Num trocar de acorde eu conhecia mais do tal L. do que de mim. Adorávamos os chicletes de feijão, comer também o papel das gomas de mascar, e quem é que nunca falou com o Batman, né? Ah, seu apelido era shox, por causa do Nike Shox. Jogávamos bets, tínhamos até um tipo de aperto de mão conhecido só pela gente. Não, nesse tempo eu nem sabia o que era perder ele um só dia, como perco a cada hora que se atravessa na minha frente. Como todos os anos passam, foi-se um ano, dois anos, três anos, e aconteceu o momento mais horrível da minha caverna mágica: ele teve que ir para outro colégio. Eu fiquei completamente louca, tentei de todas as formas ir para essa escola, mas não deu certo. Vivíamos um pouco distante, já.

Trezentos e sessenta e cinco dias após isso, sua família mudou-se para outro Estado. E eu só pensava: “Vou largar tudo e partir para uma jornada correndo atrás dele. Só tenho que ter certeza de uma coisa. E, além do mais, eu não posso o deixar partir. Não!” Numa mistura de ácido e doce eu corri, subi escadas, desci rampas, fui, fui. Cheguei. E no mais falei: “Eu acredito que de alguma forma você seja meu outro eu. Você é o oposto de mim. Mas não, não quero nem sonhar em ficar longe...” Em uma pausa estridente ele desculpa-se, diz que nada deveria ser assim, mas foi como tinha que ser. Eu fiquei completamente paralisada, sem sentidos e deixei-o partir.

Chorei durante três dias e noites, sem fazer nada e sem parar. Conformei-me. Perdi tudo o que tinha e só vivia como uma velha repugnante. Porém, hoje tenho a esperança de um dia encontrá-lo novamente. Por que será que não quero mais viver onde vivo? Ir para aquela universidade? Qual o motivo? Inconscientemente e provavelmente a causa deve ser apenas uma: voltar para o que eu era, meu antigo eu e chegar até aquela felicidade inatingível da minha casa com flores vermelhas e os versos incompletos. 


Bruna Caznok

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