Fevereiro, era
para ter carnaval, era? Não teve; se eu fiquei triste? Nem um pouco, em março
voltou, trazendo com ele toda a sua beleza e marasmo. Eu prefiro mil vezes
ouvir: “Vou nadar e morrer na beira da praia, se não tiver você...” do que ver
essa festa trazendo alegria, e transformando-nos em pessoas melhores. É o pão e
circo, ou melhor, o circo só, né? Preciso rever a minha concepção de mundo, já.
Tenho que
mudar, do jeito que estou não dá mais; não vivo a minha vida direito, e não
vejo tudo em amarelo.
Pois é, será que me torno Raimundo? Tem um nome lindo, bem
brasileiro, certeza que já sambou por aí. É, vou ser Raimundo.
Passando por
uma linha tênue entre a alegria e o retardadismo, corro contra o tempo, agora
que sou o mundo, tenho muito para fazer e pouca vida para isso. Olhando-me no
espelho do banheiro, conseguir ver a alma então minha; não tinha nada dentro,
apenas pó, seco, úmido, colorido, transparente, um pó, de um velho sem alma,
mas cheio de vida.
Andando pelas ruas
imaginava vagarosamente pedras no chão, sons, sinfonias, melodias, rabiscos,
corpos, e encontrei três homens chorando, agora que eu podia e não tinha medo,
fui até eles, sentei ali. Chorei junto. Não porque estavam chorando, mas sim
porque eu tinha visto o frio incontrolável da vida, a alma amarrotada, o sonho
tornando-se um pesadelo interminável.
Eu ia dialogar
com eles, mas não tinha como fazer isso, não existiam forças que me levavam a
poder fazer isso; e, por sinal, eles não falavam a minha língua. Por fora eu
era um velho, entretanto, na consciência, era só uma mente inexperiente, de
alguém amedrontada. Observando-lhes no fundo dos olhos, vi uma coisa –
diferente da que via em mim – eu vi uma cor amarelada.
Agora pensei:
“Não, você não pode deixar eles aí!” Eu sempre fugia de tudo, assustava-me,
chorava. E eu apenas sorria pra eles. Elevei os meus pensamentos e fiquei
sussurrando até gritar: “SIM!” Tomei-lhes pelas mãos e fomos até um bosque
próximo.
Dormimos
lá. Acordamos com a réstia do sol, aquela que eu não percebia há tempos. O
cheiro de laranjeira exalava pelo ar, o perfume de ervas era eminente. Logo
percebi: algo mudou; tudo mudou. Verdadeiramente, estávamos na primavera,
primavera amarela.
Acabou,
terminou setembro. Não gosto desse mês, por mim, ele poderia ser excluído do
calendário para sempre, e assim, você poderia voltar para mim. Esses dias são
amargos, longos, tristes, vazio, escuro. Lembra-me o lobo, o esquecido que eu
nunca vou esquecer. Posso tentar, mas sempre fica o “algo mais”, os reais
sentidos.
Ossos,
só pensava nisso. Sob aquele céu perfeito, o sol queimava-nos, o bom foi a
chuva que nos trouxe um conforto, misturando-se com um frio, e, ao mesmo tempo,
com um calor. Eles já eram velhos, e eu, misteriosamente, estava igualmente
sábia.
Para
mim, essa vida inteira só durou uma noite; para eles durou vários anos, os
quais passávamos juntos, como amigos, um segurando a barra do outro. Eu não
tinha recordações de nada, somente percebi que o meu vazio havia sumido, eu
tinha só alegrias, toda a magia do tempo trouxe-me um bem estar inabalável.
Os
homens, os quais conheciam bem o meu nome, estavam radiantes, o oposto de
antigamente. Caminhando pela cidade, tudo mudara, nada era igual e eu, ah, eu
me modifiquei. Todos desapareceram de perto de mim, eu nem me importava, eu já
bastava.
Fui
descansar no bosque, entre as folhas lavadas de vento e chuva, com perfume de
flor, e transformando tudo em um tempo renovador. Acordando na manhã seguinte,
puxei meus cabelos que estavam presos em gravetos. Levantei,
espreguicei-me, e fui caminhando até a cidade.
Chegando
em casa, eu toda suja só com os pés limpos, entrei no meu quarto. Lá permaneci
parada, imóvel, olhei a minha juventude refletida no espelho, mas a insegurança
já não havia mais, e sim, só existia esperança de ajudar aqueles três homens
que eram minha prisão, meus medos, e minha indiferença.
Bruna Caznok