(17/12/2011)
Amputaram a sala de estar da
minha casa. Um vento soprou, passou, entrou, pousou e ficou dentro da minha
morada. Por fora, estava linda, normal, amarela como sempre. Algumas folhas
recobriam todo o ar samaritano que existia, e extinguia a possibilidade de
gerar algum sentimento de reconhecimento. Era amigável, familiar, feliz,
bonita. Tinha todo um semblante de poder, força e ingenuidade. Cada telha foi
posta com carinho, amor, estavam ali, ajeitadinhas, e com forças da natureza,
algumas punham-se ao contrário, outras, tortas. Cada janela era um novo mundo que
se abria para novas necessidades e posicionamentos. Existiam várias portas,
porém a que mais importava – a da frente – estava toda quebrada, destruída,
arruinada, fazia-se em pedaços minúsculos e quebradiços.
Ainda
externamente havia um luar, um dia nublado, poetas e demagogos. Cada passo no
jardim aproximava o perigo. Internamente estava cheia de água, sangue,
vitaminas, células, minerais, sentimentos, um vazio imenso, uma alegria inabalável,
um coração palpável; e móveis, muitos móveis. Por fora era consistente o
imóvel, entretanto, por dentro existiam goteiras profundas. As janelas estavam
cobertas por panos, assim como as camas, sofás, instrumentos músicas, o
computador, armários, mesas, escrivanias, cadeiras, baús, enfim, tudo. Menos
uma coisa, a lareira, que tinha um fogo quente e incessantemente aceso.
Estava
escuro, só com aquela luz na sala, sendo a alma do negócio, um princípio
hexagonal. O vento que entrara pela porta principal fazia uivos, gemidos e
atazanava as outras portas, fazendo relinchares e estalos. Às vezes eu
pressentia labaredas nas pontas dos panos brancos envolvendo quase a totalidade
do recinto, talvez fossem resquícios de um futuro. Mas cada feno, cada palha,
flor, folha avermelhada, prego, felpa, não estava presente mais ali. Era tudo
limpo e branco. Houve uma formatação.
Eu
sentia o cheiro de carnificina, era pútrido, gélido, assombroso. E, ao mesmo
tempo, instável, reconfortante. Correndo – na verdade – vagando por um caminho
sem fim eu desci a escada, avermelhada, bem brilhante. Chegando ao seu fim, fui
ao encontro do living de entrada da casa, a sala de estar. Era de lá que vinha
aquele perfume que aparentemente parecia um odor. Nunca percebi que esse cômodo
era tão grande, quadrado e sufocante. Não existia um só resíduo de
pegadas ou fios. A máquina de escrever, a cadeira do vovô, o quadro da Monalisa, o mapa-múndi, o tapete lá da
Arábia, exatamente tudo sumiu, desapareceu e nem pó virou.
Sem
sentidos sentei agachada, como se eu fosse um índio. Cruzei as pernas e os braços
também, sentindo uma leve dor de cabeça, que não era nada tão indesejável.
Lembrei de cada momento que passei ali, as coisas novas que aprendi as tardes
de estudo, os pensamentos obscuros, os sinos tocando. Tudo. Quando me dei conta
não havia mais porta ali e aquela caixa de fósforo estava cada vez mais
diminuindo. Fiquei aprisionada em mim mesma, nas minhas memórias, e esqueci de
tudo que ainda estava por aí. Foi um erro eu achar que voltando para o acabado
eu pudesse voltar no que era antes. Por si só, eu tenho que reconstruir, da
minha maneira, e da que eu vejo hoje.
Tenho
que juntar, e então formar um novo. Poderá ser inoculado novamente, mas eu não
ligo, chances estão em cada dia que nasce. Sempre o sol se põe e volta. E a
Lua, às vezes, está num dia de sol bem quente. E é só olhar pra ela que verá
meus olhos refletindo seu brilho.
Bruna Caznok
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